domingo, 2 de outubro de 2011

Crônica de Paulo Sant'Ana


A  MULHER  FINGIDA
 
            “Do ponto de vista do homem, a grande mulher é a fingida.  A mulher fingida tem sentimentos muito mais intensos e transbordantes que a mulher sincera.
            A mulher sincera é sempre a mesma: ela é o que é.  Já a mulher fingida é sempre o que o homem quer que ela seja.
            Supondo-se que a mulher, assim afirmam os sexólogos, como o goleiro no futebol, só atinge o primeiro orgasmo aos 29 anos, a mulher sincera relata, até essa libertação, seu calvário, enquanto a fingida se comporta como se, desde as primícias da relação sexual, conseguisse êxtases retumbantes.
            A mulher sincera é a que acorda o homem para a dura realidade.  A mulher fingida é a que desperta o homem para o reino da fantasia.  A mulher sincera encarrega-se sempre do pesadelo, a fingida catapulta o homem para o sonho.
            A mulher sincera é aquela que, quando o homem chega em casa e pergunta se está tudo bem, responde ajeitando a camisola:”Agora vai ficar ainda melhor.”
            A mulher sincera cobra, a mulher fingida promete.  Da mulher sincera o homem só obtém muxoxos rançosos.  Nos lábios da mulher fingida sibilam murmúrios de lascívia.
            A mulher sincera faz sexo.  A mulher fingida realiza uma apresentação.  A mulher fingida tem orgasmo múltiplo.  A mulher sincera, cosquinhas.  A mulher sincera dá só vazão à queixa, à recriminação e à condenação.  À mulher fingida passa sempre despercebido o deslize do homem. 
            Para a mulher sincera, o homem, por mais que se esmere em provê-la, é um doador de esmolas.  A fingida, por mais avarento que o homem lhe seja, considera-o um exemplo de prodigalidade.
            A mais autêntica e atraente manifestação feminina é o fingimento.  A mulher finge que é alta no salto do sapato e que seu rosto é sempre belo pela maquiagem.  E seu corpo aromático pelo perfume e bem torneado pelas calças justas.  E finge seios opulentos com o silicone.
            A mulher sincera vive no médico e no dentista.  A mulher fingida mora na sauna e no salão de beleza.  A mulher sincera é lamurienta e pessimista.  A fingida é afetada, coquete e otimista, profissional do sorriso e das carícias.  A mulher sincera é um personagem, a fingida, uma atriz.  Se está tudo bem na relação conjugal, tanto a mulher sincera quanto a mulher fingida se mostram realizadas.  Mas a mulher fingida leva a vantagem de também se sentir realizada quando tudo se depara adverso ao casal.  A mulher fingida aprimora a técnica de só se mostrar aborrecida quando está longe de seu homem.  A sincera deixa para revelar o auge da melancolia e da irritação quando seu homem está presente.
            De tanta admiração que ela tem pelo homem, as amigas da mulher fingida sentem-se invejosas dela.  Para as amigas da mulher sincera chega a ser surpreendente que não se separe do marido, tantas são as críticas que ela lhe destina.
            Eu amo a sinceridade da mulher fingida.  E acho que é tão chata e exagerada a sinceridade da mulher sincera que ela só pode estar fingindo.”

- Crônica de Paulo Sant’Ana na Revista Época Nº121 (11/09/2000)

0 comentários:

Postar um comentário