sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Afinidade - Artur da Távola

AFINIDADE...
Artur da Távola
Não é o mais brilhante, mas é o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos. O mais independente, também. Não importam o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades: quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que ele foi interrompido, ontem ou há 40 anos.
É não haver tempo mediando a vida. É uma vitória do adivinhado sobre o real. Do subjetivo sobre o objetivo. Do permanente sobre o passageiro. Do básico sobre o superficial. É rara. Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar. Ela existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples e claro de sua boca diante de alguém com quem tem afinidade. É ficar de longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam. É ficar conversando sem trocar uma palavra. É receber o que vem do outro com uma aceitação anterior ao entendimento. É sentir com. Nem sentir "contra", nem sentir "para", nem sentir "pelo".
É sentimento singular, discreto. Não precisa nem do amor. Pode existir quando ele está presente ou quando não está. Independe dele mesmo sendo sua filha. Pode existir a quilômetros de distância. É adivinhado na maneira de falar, de escrever, de andar, até de respirar. É linguagem secreta do cérebro, ainda não estudada.
Além de prescindir do tempo e ser a ele superior, ela vence a morte porque cada um de nós traz afinidades ancestrais no inconsciente e que se prolongam nas células dos que nascem de nós e vão para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes mesmo mortos (mortos?) há tantos anos. É ter estragos semelhantes e iguais esperanças permanecentes. É conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas quanto das impossibilidades vividas.
É retomar a relação no ponto em que parou sem lamentar o tempo da separação. Porque ele (tempo) e ela (separação) nunca existiram. Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida, para que a maturação comum pudesse se dar. E para que cada pessoa possa ser, cada vez mais, a expressão do outro sob a forma ampliada e refletida do eu individual aprimorado.
Sensível é a afinidade. E exigente, apenas de uma coisa: que as pessoas evoluam parecido. Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau. É o mais sutil e delicado dos sentimentos.

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