sábado, 31 de julho de 2010

O MÚLTIPLO E O SIMPLES


O Tao Te Ching, livro sagrado do Taoísmo, já dizia há mais de um milênio que nós temos dois lados. Há um lado que olha para fora. Olhando para fora, defrontamo-nos com o mundo da multiplicidade, dez mil coisas que se impõem a nossos sentidos, nos dão ordens, nos atropelam e nos enrolam aos trambolhões, como aquelas ondas de praias de tombo. Aí nos defrontamos com uma única coisa, o desejo mais profundo do nosso coração, aquela coisa que, se a tivéssemos, nos traria alegria. Jesus contou a parábola de um homem que tinha muitas jóias e que, ao encontrar uma única pérola maravilhosa, vendeu as muitas para comprar uma única. No primeiro lado, moram o conhecimento, a ciência, a bolsa de valores, a cotação do dólar, as coisas que se podem comprar, e todas as coisas que compõem a nossa vida de fora. Essas coisas são “meios para viver” – ferramentas que podemos usar. No segundo lado, mora a sabedoria, que é a capacidade para discernir as coisas que valem a pena.
Num bufê, você encheria o prato com tudo o que está na mesa? Somente um tolo faria isso. Você consultaria o seu desejo: “De tudo isso que está à minha frente, o que é que realmente desejo comer?” Tolos são aqueles que, seduzidos pela multiplicidade, se entregam vorazmente a ela. Eles acabam tendo uma terrível indigestão... Sábios são aqueles que, da multiplicidade, escolhem o essencial. Simplicidade é isto: escolher o essencial.

(Rubem Alves, do livro “Pensamentos que penso quando não estou pensando”)

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